terça-feira, março 15, 2011

Arquitetura da reconstrução chilena

Depoimento de Patricio Mardones à revista AU de março fala da do papel dos arquitetos após tragédias como terremotos. Como contribuir para a recuperação do espaço?

 


Após o acontecimento de uma catástrofe natural, há a necessidade da reconstrução do espaço afetado, para que as pessoas voltem a viver em sua localidade. Essa reconstrução aconteceu no Chile, em fevereiro de 2010, e deverá acontecer agora no Japão.

Na última edição da Revista AU, o arquiteto argentino Ricardo Sargiotti, sócio-fundador do estudio x arquitectos e professor de desenho arquitetônico na Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Cordoba, perguntou ao arquiteto chileno Patricio Mardones como funciona o processo de reconstrução de um país após a tragédia.Leia a seguir alguns trechos desta entrevista.

Confira a entrevista:

As conotações do termo "reconstrução" aparecem sempre impregnadas em desânimo. Reconstrução remete a destruição, desamparo, perda de algo, seja em casos de catástrofes ou não. O primeiro esforço do arquiteto está na superação dessa fase?
 
No caso chileno, os terremotos (e as ações de reconstrução) acompanham os habitantes desde o início do povoamento do território. Pode-se dizer que os terremotos, tsunamis e erupções fazem parte da paisagem e da cultura nacional, de nossa relação com a natureza. Uma estimativa rápida indicaria que cada geração no Chile é testemunha de pelo menos duas grandes reconstruções após alguma catástrofe natural. A relação repetida com essas situações vai amenizando toda a nação, incluindo os arquitetos. Acredito não errar ao dizer que o otimismo e o vigor necessários para as tarefas de reconstrução são qualidades que, no Chile, afloram naturalmente após um desastre. Parece-me que no Chile a palavra "reconstrução", mais do que vinculada ao desânimo, remete à possibilidade de gerar uma realidade nova, de revisar modos de vida, e a oportunidade de desenvolver uma visão sobre os desejos cidadãos.


Nos casos de catástrofes, a ânsia de dar soluções urgentes pode fazer com que a oportunidade de repensar vícios de planejamentos anteriores (a tábula rasa, por tantas vezes ansiada) perca-se em conflitos de interesses temporários e ideológicos. Como você vê isso?

Desde fevereiro de 2010 houve discussões públicas muito interessantes (em escolas de arquiteturas e organismos estatais correspondentes) sobre como agir diante de uma emergência. Lembro-me de duas ideias. Uma sustentava que a emergência colocava duas necessidades opostas: a de uma resposta imediata que resolvesse em curto prazo as demandas urgentes, e a de uma visão central de longo prazo, que dificilmente pode ser construída simultaneamente. Como construir um conjunto habitacional para 100 famílias em poucos dias, sem tempo para planejar, integrar nem adaptar, evitando que essa solução temporária se transforme em definitiva? Em realidades de recursos limitados, este é um problema central: a qualidade de vida se empobrece quando o acampamento de emergência precário se converte na nova matriz de desenvolvimento urbano. Nisso houve buscas - ainda experimentais - que tentam dar soluções que dêem tempo para que autoridades e arquitetos resolvam um projeto com visão, que converta o desastre em uma oportunidade de renovação urbana, por exemplo. Há ainda um segundo ponto de vista que sustenta que nessas situações não se pode pretender que haja tempo para pensar, e se deve aceitar o potencial de o imediato se consolidar como permanente. Então, os esforços de reconstrução devem ser empregados em levantar as peças que possam acelerar processos naturais de regeneração. A proposta de Elemental para reconstruir a cidade de Constitución, arrasada pelo maremoto, é um exemplo desta proposta: o principal ponto do plano é a construção de um parque público, não a entrega de habitações terminadas.

Outra constante associada com a reconstrução passa pela ideia de patrimônio. A reconstrução remete a algo pré-existente ou, do lado oposto, ignora completamente o pré-existente. Há padrões que devem ser seguidos?

O arquiteto e crítico Fernando Pérez fez uma observação a respeito que me parece muito aguda: nessas situações, a palavra patrimônio adquire uma outra conotação, mais civil. Patrimônio é o que se tem, aquilo com o qual se conta. Quando uma família perde sua casa e resta apenas um par de paredes de pé, talvez esse par de paredes mereça mais atenção, pois é tudo o que lhes resta. É isso ou nada. Em março de 2010 houve muitas demolições preventivas em vilas rurais do Sul do Chile, quase todas feitas com boas intenções por voluntários não-especializados, que passaram por cima dessa consideração. A manutenção dos traçados e o cuidado com os elementos que podem ser resgatados são tão importantes quanto a claridade necessária para não levantar arremedos historicistas construídos com o pretexto de conservar uma certa imagem tradicional. Cada tempo tem seus modos de construir e toda reconstrução coloca em discussão oportunidades de continuidades e oportunidades de renovação.

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