quinta-feira, junho 20, 2013

Casas suspensas


Com arquitetura arrojada premiada internacionalmente, Edifício 360 graus precisou de ousadia também na hora de ser construído. Planejamento de logística de canteiro e flexibilidade para lidar com os imprevistos foram fundamentais

No Edifício 360 graus, as quatro fachadas assimétricas com volumetria de cheios e vazios dão a sensação de tridimensionalidade e justificam o nome dado ao edifício




RESUMO DA OBRA


Edifício 360 graus
Localização: São Paulo
Construção: Barbara Engenharia
Incorporação: Idea Zarvos, Stan, PDG Realty, Anfab, Lindencorp
Projeto de arquitetura: Isay Weinfeld
Área construída: 15.898,77 m²
Número de pavimentos: 22
Área do terreno: 2.797,63 m²
Número de unidades: 62
Duração da obra: 40 meses


Quando o arquiteto Isay Weinfeld iniciou a concepção do Edifício 360 graus, em São Paulo, havia algumas premissas com as quais ele deveria trabalhar. A primeira delas era que a torre, de uso residencial, tivesse mais de 20 andares, aproveitando o zoneamento que permitia a construção de edifícios altos. Também era necessário tomar partido da topografia. "Quando adquirimos o terreno em 2006, a primeira coisa que nos chamou a atenção foi a localização em um dos pontos mais altos da região, possibilitando uma vista privilegiada para uma área pouco adensada e bastante arborizada", conta Otávio Zarvos, presidente da incorporadora Idea Zarvos. Por fim, era desejável que o prédio não tivesse fachadas frontal e de fundo demarcado. "Pensamos que seria interessante ter um edifício que pudesse ser percebido da mesma maneira, seja na frente, nas laterais ou atrás", revela Zarvos.


Com tais demandas em mãos, Weinfeld foi além. Criou um edifício que, recém-concluído, tornou-se um marco arquitetônico na zona Oeste da cidade, propondo uma nova forma de viver em áreas urbanas. Os 62 apartamentos (com plantas entre 130 m², 170 m² e 250 m²) chamam a atenção pelas grandes salas-varandas que ocupam cerca de 25% da área privativa. "O objetivo foi dar maior qualidade de vida aos moradores, criando casas com quintal, só que nas alturas em vez de térreas", resume Weinfeld. Cada um desses quintais sobre os quais o arquiteto se refere mede entre 25 m, nas unidades menores, e 90 m, nas coberturas.




Ao contrário do que acontece em muitos edifícios, as varandas estão dentro da laje, protegidas das intempéries, mas com grande captação de luminosidade


Detalhe da fachada
O efeito de caixas soltas foi obtido com o uso de painéis pré-fabricados presos às lajes dos pavimentos por meio de soldas




Diferentemente do convencional, todas as quatro fachadas são principais, dando uma ideia de tridimensionalidade, com uma volumetria de cheios e vazios. Daí o nome que batizou o empreendimento: 360 graus. "Buscamos alto impacto estético, perfeita funcionalidade e fácil manutenção", afirma o arquiteto. Por esse trabalho, Weinfeld recebeu, em 2009, o prêmio Mipim Ar Future Projects na categoria residencial, oferecido pela revista britânica The Architectural Review. Superando 300 concorrentes de todo o mundo, o arquiteto venceu na categoria residencial e também na Overall Winner, o melhor entre todas as categorias, sendo o primeiro brasileiro a receber a premiação oferecida anualmente desde 2002.


Elemento surpresa
O terreno, localizado em uma região em transformação, entre os bairros Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, possuía um desnível em queda de aproximadamente 22 m que dificultava bastante a execução das fundações e das contenções. Com base em sondagens e estudos geotécnicos, o projeto de fundações previu contenções perimetrais dos subsolos com o apoio de estacas metálicas com bitola W 310 x 52 (mm x kg/m). Foram executadas cortinas de contenção com placas pré-fabricadas de concreto e tirantes provisórios.


As fundações foram projetadas com tubulões de dimensões variadas. Carlos Barbara, diretor da Barbara Engenharia, explica que a maior dificuldade nessa etapa da obra foi a variação das características do solo, que durante a execução mostraram-se maiores do que as apresentadas nos estudos preliminares.


As escavações para os subsolos já haviam sido realizadas e a execução dos tubulões estava começando quando foram detectadas lentes de areia (material de comportamento instável), obrigando a uma mudança de projeto. O projetista de fundações então alterou a fundação de alguns blocos, deixando alguns executados com perfis metálicos cravados e outros com sapatas. A mudança também exigiu a mobilização de um guindaste para cravar os perfis metálicos que substituíram os tubulões originalmente projetados. Tanto as fundações, quanto as contenções tiveram que ser executadas por etapas e cotas de apoio.


Sobre essa fundação, foi erguida a estrutura de concreto sobre pilotis de 11,68 m de altura, formando um amplo vão livre com espelho d' água no térreo. A estrutura é composta basicamente por dez pilares periféricos e um core central que sustentam uma sucessão de lajes retangulares de concreto. Nessas lajes estão apoiadas as "caixas" que formam os apartamentos e que têm parte de sua projeção em balanço, onde a estrutura foi protendida.






A estrutura dos pavimentos foi constituída de lajes planas em todo o perímetro de fachada e estrutura reticulada (vigas e lajes) nas partes internas. No pavimento-tipo, o pé-direito é de 3,79 m.




Mecanização planejada
Além de singular do ponto de vista arquitetônico, o 360 graus possui detalhamentos e conceitos aplicados predominantemente em empreendimentos horizontais. Barbara explica que o fato de tais detalhamentos terem sido transplantados para uma obra vertical trouxe desafios adicionais para a logística de canteiro.

Um exemplo: os escalonamentos das lajes que avançam e recuam de forma irregular ao longo da fachada impossibilitaram que fosse utilizado qualquer tipo de transporte vertical instalado no perímetro da torre. Isso demandou o emprego de grua ascensional posicionada em um dos três poços de elevadores, com capacidade de carga de 2.500 kg e lança com alcance de 30 m. Para o transporte de pessoas e de cargas, foi utilizado um guincho de coluna com capacidade de 750 kg, instalado nas guias definitivas dos elevadores. "Essa estratégia foi fundamental para viabilizar a ascensão de suprimentos para os pavimentos e, principalmente, dos elementos arquitetônicos em concreto pré-fabricado", revela o diretor da Barbara. Ele ressalta que a indisponibilidade de equipamentos de transporte vertical mais velozes para esse tipo de situação tornou crítico o pleno abastecimento da obra. Os poços de elevadores definitivos estavam ocupados quer pela grua, quer pelo elevador de carga, e não havia outra artéria vertical de transportes.

"A logística e o transporte horizontal e vertical foram, desde a fase de contenções e fundações até a fase de fachada e acabamentos internos e externos, um desafio para as equipes de planejamento e produção. Isso foi parcialmente equalizado com uma gestão de uso dos equipamentos de acordo com uma programação prévia estabelecida em comum acordo com as partes", revela Barbara. Também foi decisiva a criação de equipes específicas para transporte vertical, em dois turnos (inclusive noturno), para permitir que cada dia pudesse ser iniciado com o suprimento de materiais nos andares para os operários.

Para acompanhamento e desenvolvimento dos processos do 360 graus, a construtora trabalhou em parceria com uma consultoria em planejamento e gestão de projetos. Na prática, o trabalho consistia na identificação diária das dificuldades e na análise das estratégias de atuação para alimentar reuniões semanais. Nesses momentos, eram definidas as ações a serem tomadas em conjunto com as partes relacionadas (equipe de produção, planejamento, empreiteiros e fornecedores).
Foram criados canais impermeabilizados sobre a laje para o tráfego da tubulação reticulada de água e esgoto


Adaptações necessárias
No decorrer da obra, uma das etapas de maior complexidade foi a execução das fachadas assimétricas. Inicialmente, o projeto previa uma solução mais artesanal capaz de atender à concepção arquitetônica, mas que apresentava grande dificuldade de acessibilidade para execução.

Tal inconveniência foi detectada durante a análise do projeto para orçamentação, momento em que se optou pelo uso de painéis arquitetônicos pré-fabricados de concreto para a execução das "caixas soltas" que iriam compor cada apartamento.

As peças foram "penduradas" nas lajes dos pavimentos superiores por meio de soldas e apoiadas na laje de piso com uso de pontaletes metálicos dimensionados para suportar e, ao mesmo tempo, distribuir o peso dos painéis ao longo do perímetro das bordas das lajes planas. Dessa forma, foi possível obter o efeito desejado por Isay Weinfeld de ter pavimentos e apartamentos isolados.

A solução exigiu, contudo, que toda a rede de tubulação de esgotos, que usualmente corre entre o piso do pavimento e o forro do pavimento inferior, tivesse que correr sobre a laje do próprio pavimento, em enchimento. Os pés-direitos de laje a laje também tiveram que ser adaptados. "Embora nada inovador, a utilização de um sistema reticulado de hidráulica em enchimento com apartamentos que não se repetem um sobre o outro obrigou-nos a aprimorar o conceito dos projetos e criar canais impermeabilizados para tráfego dessas tubulações", explica Barbara. Também foi prevista a construção de prumada de drenagem, para assegurar que eventuais vazamentos dessas tubulações embutidas em piso não causassem algum dano no vizinho dos andares inferiores.

Em função do caráter inovador da obra, outra alteração necessária durante a execução aconteceu no projeto das esquadrias de alumínio, em grande parte constituídas de janelas sobre peitoris na borda de lajes planas em balanço. "Introduzimos ao projeto um sistema telescópico às esquadrias, que aumentou a sua capacidade de absorver eventuais movimentações", comenta Barbara. Tal sistema é constituído de um perfil de alumínio em forma de "U" fixado sobre os caixilhos, permitindo que a esquadria possa absorver deformações de até 20 mm durante o deslizar dos vidros para cima ou para baixo.

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